martes, 21 de mayo de 2013

Comunicado de Mulheres Maias ante o falho da Corte de Constitucionalidade no caso Ríos Montt


Nós, mulheres maias que vivemos sob os efeitos dos Estados de sítio em Guatemala, que presenciamos o recrutamento militar forçoso, que estivemos sentadas nos ônibus quando um encapuchado subia para identificar pessoas. Nós, as sobreviventes da guerra em Guatemala, queremos manifestar o seguinte:

1. Repudiamos e criticamos os três membros da Corte de Constitucionalidade: Héctor Hugo Pérez Aguilera (Presidente da Corte), Roberto Molina Barreto e Alejandro Maldonado Aguirre. Eles se arrogam a autoridade para negar um processo onde o genocida Ríos Montt foi julgado por um tribunal, mas também julgado por todas/os nós.

2. Que o enunciado nos testemunhos das mulheres e homens Ixiles não se pode apagar, suas palavras mostraram o núcleo da guerra em Guatemala, que se concentrou de muitas formas em acabar com os povos maias. Que os informes dos peritos são claros: houve uma cadeia de mando na execução dos atos. Que em 15 dias se utilizaram 8.242 cartuchos para as operações de extermínio em territórios Ixiles. Isto não pode ser anulado por uma simples resolução.

3. Criticamos o culto à forma do processo penal que se faz nos tribunais por parte de juízes e magistrados, que se esquecem serem dramas humanos os casos que resolvem.

4. Queremos que isto nunca mais se repita, no entanto, as ações dos membros da CC abrem as portas para os genocidas seguirem atuando impunemente.

5. Manifestamos nossa total solidariedade e incondicional apoio à Asociación para La Justicia y La Reconciliación – AJR – e ao Centro para la Acción Legal en Derechos Humanos – CALDH – cujos trabalhos incansáveis agradecemos, assim como motivamos que sigam com passos firmes nesta luta de todas e todos contra a impunidade.

6. Pedimos solidariedade, ações de denúncia e acompanhamento de todas e todos. Esta é uma luta pela memora e pela justiça guatemalteca e latino-americana.

Ixmulew, 20 de Maio de 2013

.......................................................................................................................

Comunicado original en castellano (hagan click sobre el archivo para poder leer):



lunes, 20 de mayo de 2013

Genocídio em Guatemala: a batalha pela construção de nossa memória



por Gladys Tzul Tzul, 
Maya K’iche’ de Guatemala. Doutoranda en Sociologia pela Benemérita Universidad de Puebla.

O julgamento interposto contra o general Ríos Montt, ex-presidente de fato da república de Guatemala entre 1982 e 1983 e contra Mauricio Rodríguez Sánchez, chefe de inteligência militar, pelos delitos de genocídio e delitos contra os deveres da humanidade contra o povo Ixil, localizado no nordeste de Guatemala e que deixou como resultado o assassinato de mais de 1.700 pessoas, é um processo que abriu as portas para trazer à primeira cena o que permanentemente se quer que esqueçamos em Guatemala: o genocídio, o racismo expressado no não reconhecimento de sistemas de governo indígena, o desconhecimento das terras comunais, as lutas das mulheres indígenas, escondidas atrás das lutas tradicionais das esquerdas socialistas e revolucionárias.

As audiências se realizaram entre 19 de março e 10 de maio de 2013, sendo espaços onde o passado se encontrou com o presente. O passado apareceu com as fossas clandestinas, com a violência sexual, com as execuções, com as mortes de crianças e não natos. O presente reviveu este passado com racismo generalizado, misoginia e desatendimento; mas também com atos de performance, poesia e protestos nas ruas, de forma criativa, com as reproduções escritas e auditivas dos testemunhos de violações sexuais e de mortes, que nos obrigaram a sentir a dor das vítimas.

O processo foi encabeçado por mulheres e homens Ixiles que, como povo maia, exigiu uma condenação contra o delito de genocídio. Os Ixiles reclamaram o castigo a aqueles que planificaram e ordenaram esses atos. “Mataram-nos porque pensavam que éramos menos que animais (...) e queremos que se faca justiça” (1) como disse Don Benjamín Gerónimo, na penúltima audiência prévia à sentença que condenou Ríos Montt a 80 anos de prisão e absolveu Rodríguez Sánchez.

Este processo de construção de memória se constituiu em uma batalha contra o racismo e a violência. Não é uma enfrentamento de forças ou partidos de caráter conservador contra os de caráter marxista, como os advogados defensores, os meios de comunicação, a Fundación contra el Terrorismo e o presidente da república de Guatemala quiseram fazer ver. Em efeito, a condenação de Ríos Montt respondeu a uma idéia política no sentido de que apontou à convivência humana com justiça. Foi uma briga pela demanda de reconhecimento, pelo direito à vida, à memória, ao ressarcimento e à verdade. Não é uma batalha clássica. É uma luta política no sentido mais elevado.

Meu interesse neste artigo é me referir a alguns efeitos que este julgamento teve e tem para nós mulheres dos povos indígenas. Este acontecimento pode ser um ponto de partida para a modificação das estruturas racial-econômicas do país. Vimos isto como um ato concreto que mudou de lugar a máquina de funcionamento cotidiano da justiça em Guatemala. Por primeira vez, fomos os indígenas os que estávamos na parte acusatória e não na de acusados, como em muitos casos acontece. Isto, em si mesmo, significou uma reviravolta no imaginário dos tribunais, que desde o princípio encontram os indígenas como suspeitos.

Testificaram mulheres e homens em idioma Ixil ou em um pausado castelhano; seus testemunhos ratificaram os mecanismos e as formas repetitivas de violação sexual e de morte nos anos de 1980. Trouxe ao centro da história nacional a natureza da guerra em Guatemala: O Genocídio contra povos indígenas. A vontade etnocida se reconheceu também no caráter sistemático das violações e nos assassinatos das mulheres Ixiles, para desaparecer seu povo. Assim como no uso comercial que foi dado às terras expropriadas dos Ixiles, imediatamente depois do genocídio e do deslocamento dos/as sobreviventes.

Para as pessoas que assistimos às audiências, era muito emocionante vermos e nos olharmos caminha e desfilar, corpos de mulheres indígenas Ixiles e vários povos mais. A sala de vistas da Corte Suprema de Justiça por mais de dois meses foi vestida pelo multi-colorido dos tecidos güipiles de vários povos Maias. Não foi nas salas universitárias, nem nas escolas, tampouco nos centro de saúde, onde nos sentamos em condições de igualdade. Foi nesta sala onde, por primeira vez, os filhos dos militares e as pessoas pertencentes a um estrato político conservador, acompanhados de seus guardas-cotas, tiveram que se sentar junto a nós, sem que eles desfrutassem de nenhum privilégio por serem os que eram.

..................................................................................................
(1) Extraído do áudio de audiência do dia 9 de maio de 2013. Quando Don Benjamín Gerónimo se dirigiu ao tribunal para pedir como querelante do processo.

O texto original, em castelhano, se encontra na Revista Paquidermo: http://www.revistapaquidermo.com/archives/8342

sábado, 11 de mayo de 2013

Nota sobre a falta de interesse no Brasil pela condenação por genocídio de Ríos Montt em Guatemala

Danilo de Assis Clímaco

Estranho que uma notícia tão importante, a de que por primeira vez um ex-chefe de estado seja condenado por genocídio (contra 1.771 pessoas do povo Maya Ixil, ainda que as vítimas mortais desse povo superam as 10.000) quase não foi noticiada no Brasil. Mais grave se a gente pensa que o país está passando por uma comissão da verdade. Nem nos meios ‘mais a esquerda’ como Brasil de Fato, Carta Capital ou Conversa Afiada se noticiou. Esta falta de interesse tem tudo a ver com o fato das vítimas serem indígenas. Se fosse o Videla ou o Pinochet, que mataram (além de pobres, ‘negros’, ‘índios’ e camponeses, claro) muitos ‘brancos’, operários sindicalizados, universitários, de classe média, todo o julgamento do ex-ditador teria sido intensamente noticiado pelos meios das ‘esquerdas’ e inclusive pelos da direita. 

Mujer Ixil jura antes de prestar depoimento.
No canto direito, o ex-ditador. Foto: Elías Rodríguez
Tudo isso é ainda mais grave na medida em que nos evidencia o quão pouco as esquerdas brasileiras mais institucionalizadas – ao contrário de alguns setores nos Andes, na América Central e no México – se preocuparam em refletir e lutar contra o período de reprimarização de nossa economia, provocado pela crise do capital como tal, e o que isso significa em termos de expropriação e deterioro de terra dos povos indígenas (e camponeses). Os ruralistas no Brasil alcança com a Dilma seu maior nível de poder nos últimos 10 anos, razão pela qual o número de demarcação de terras indígenas é o menor de nossa história recente.

Convém lembrar que recentemente foi descoberto um relatório de 7.000 páginas sobre a violência contra os povos indígenas durante nosso período militar. Que o exemplo guatemalteco seja mais um motivo para que o genocídio dos povos indígenas que habitam ou habitaram o país não fique impune.

Abaixo deixo uma das poucas notícias em português ao respeito desta grande vitória dos povos indígenas de Guatemala, das Américas, especial o Maya Ixil. Está em um jornal de Portugal: 

Antigo ditador da Guatemala condenado a 80 anos de prisão

O antigo ditador da Guatemala José Efraín Ríos Montt foi condenado a um total de 80 anos de cadeia, 50 anos dos quais pelo massacre de povos indígenas entre 1982 e 1983.

O antigo ditador guatemalteco, Ríos Montt, condenado a 80 anos de prisão por genocídio e crimes de guerra, insistiu na sua inocência e anunciou um recurso da sentença que considera "ilegal" para "responder a um espetáculo político internacional".

"É um espetáculo político internacional que afeta a alma e o coração do povo guatemalteco, mas nós temos paz porque nunca derramamos ou nunca manchamos as nossas mãos de sangue dos nossos irmãos", declarou Ríos Montt aos jornalistas antes de ser transferido para um quartel militar que funciona como prisão.

Em prisão domiciliária, Ríos Montt viu o Tribunal Penal anular essa medida de coação e ordenar a sua prisão efetiva depois de conhecida a condenação.

Ríos Montt, 86 anos, governou a Guatemala num dos períodos mais violentos da longa guerra civil, que durou entre 1960 e 1996, sendo agora condenado por genocídio.

O antigo general começou a ser julgado em meados de março pela morte de cerca de 1800 indígenas da etnia ixil, cometidos na região de Quiche, no norte da Guatemala, epicentro da guerra civil.

Cerca de 500 pessoas marcaram presença na primeira audiência do julgamento, a 20 de março, que durou cerca de cinco horas, durante a qual Efraín Ríos Montt reiterou que não tinha conhecimento de que o Exército estava a levar a cabo massacres.

Este é o primeiro julgamento por genocídio que decorre da guerra civil da Guatemala, a qual opôs guerrilhas de esquerda e forças governamentais e terminou em 1996, com um balanço de 200 mil mortos ou desaparecidos, segundo dados das Nações Unidas.

Além dos 50 anos por genocídio, Rios Montt foi ainda condenado a outros 30 anos por crimes contra a Humanidade e crimes de guerra.