miércoles, 14 de diciembre de 2011

No Peru, “modelo Lula” de governar é uma mina de ouro

Danilo de Assis Clímaco


Com a única aposta política de administrar a pobreza mediante bolsas, o governo Ollanta Humala procura impor uma mina de ouro com impactos ambientais incalculáveis a uma população organizada que, sustentada em estudos ambientais e socioeconômicos, advoga por um desenvolvimento agropecuário.

Yanacocha, a maior mina de ouro da América, cujo rendimento anual é próximo ao bilhão de dólares, está em atividade desde 1993 em Cajamarca, que se manteve nesses 20 anos como o quarto estado mais pobre do Peru.
O povo defendendo uma das lagoas a ser consumida pela empresa de mineração
Entre muitos danos sociais e ambientais, Yanacocha (nome de uma lagoa que a mina destruiu) contaminou rios, secou fontes de águas, derramou mercúrio em uma cidade, procurou intimidar e corromper o povo e as autoridades. Muitos setores da população (camponeses, ONGs, sindicatos, partidos políticos, a universidade local) vêm progressivamente fortalecendo sua posição crítica à mineração com uma série de propostas de desenvolvimento social e econômico sustentável.


No entanto, o governo peruano, cujo presidente Ollanta Humala foi eleito pelo Partido Nacionalista com apoio de parte da esquerda e com assessores brasileiros ligados ao PT, busca impor em Cajamarca uma segunda mina de ouro, denominada Conga, impulsionada pelo mesmo consórcio de Yanacocha, conformado pelas empresas Newmont, dos EUA e Buenaventura, do Peru. O projeto destruirá quatro lagoas, além de causar danos a fontes de água subterrânea e outros impactos ambientais que não podem ser calculados, pois o único Informe Ambiental a respeito foi considerado incompleto pelo próprio Ministério do Meio Ambiente.

A população, com o apoio do governador, manifestou-se massivamente contra o projeto, mediante uma greve geral de 14 dias, acatada por quase 200 povoados e desproporcionalmente reprimida pelo governo central com a declaração de Estado de Emergência em Cajamarca (o que somente governos militares tinham feito), detenção de dirigentes sociais e o não repasse a Cajamarca do orçamento estabelecido por lei.

Estas medidas militarizantes não apenas violaram os direitos da população, como causaram uma crise no governo que levou à substituição do primeiro ministro (com menos de quatro meses de governo) e à perda de poder das esferas mais à esquerda no governo. O novo primeiro ministro, até então ministro do interior, militar companheiro de Humala no exército, foi um dos estimuladores do endurecimento. Ante tais despropósitos, a Coordenadora Nacional pelos Direitos Humanos, Rocío Silva Santisteban, viu-se obrigada a lembrar Humala que não deve ousar “fechar o Congresso” como o fez Fujimori 20 anos atrás.

As alternativas propostas pelos povos de Cajamarca
Desde finais da década de 1990, quando ficou óbvio que não haveria a prosperidade anunciada por Yanacocha e pelo governo Fuijmori, os movimentos sociais em Cajamarca começaram a se intensificar.

As “rondas campesinas” (justiça comunitária), estabelecidas na década de 1960 para vigiar o roubo de gado e que nos anos oitenta e noventa conformaram a defesa das comunidades contra a guerra entre o exército e o terrorismo, passaram a dirigir seus esforços à contestação dos abusos de Yanacocha e outras empresas mineradoras que buscam estabelecer projetos na região (entre elas, a Vale do Rio Doce, que contratou ex-terroristas e ex-traficantes como “guarda-costas”).

Nas cidades, ONGs e a universidade desenvolveram estudos que demonstraram os impactos ambientais, além de oferecerem apoio político e jurídico aos afetados pela empresa mineradora ou criminalizados pela justiça. A igreja progressista se somou às lutas, assim como comitês de bairros afetados pela mineração.

Os sindicatos e partidos políticos de esquerda acataram as demandas sociais, sendo que os dois últimos governadores foram eleitos graças às campanhas anti-mineração. Estes governos contrataram equipes de engenheiros – muitos dos quais com uma formação política progressista – que, entre outras contribuições, desenvolveram com a participação da população a Zonificação Ecológica e Econômica (que permite estabelecer as potencialidades das diversas zonas de Cajamarca) e estão atualmente terminando o Ordenamento Territorial, que determinará quais zonas estarão aptas para quais atividades econômicas, inclusive a mineração.

Apesar do Ordenamento Territorial estar inconcluso, já há um consenso entre os movimentos sociais: a mineração pode e deve ser realizada, sempre e quando não extrapole determinados limites, entre eles o de não realizar-se em nascentes ou em bacias hidrográficas, como no caso de Conga.

Uma referência constante dos movimentos, é o Norte do estado, onde os camponeses, inclusive minifundistas, conformaram uma rede que exporta, entre outros produtos, café e cacau. Ainda que enfrentando revezes importantes, com disputas e dissensões internas, o avanço dos movimentos é importantíssimo, não apenas porque crescem em número, como porque avançaram em suas respectivas organizações internas, na articulação entre os movimentos e na concretude de suas propostas alternativas.

O estado atual do conflito e como apoiar Cajamarca
Há cinco dias a greve foi suspensa e o governo, em contrapartida, finalizou o Estado de Emergência. O projeto Conga está paralisado enquanto não se realiza um novo estudo de impacto ambiental, ao respeito do qual será difícil encontrar um consenso; a situação nos próximos meses continuará tensa e a atitude do governo nacional é a de procurar deslegitimar os movimentos sociais e enfrentá-los ao governo de Cajamarca.

Entre a democratização e uma catástrofe humana e ambiental…
Se as organizações de Cajamarca oferecem alternativas claras de desenvolvimento agropecuário, se a população de Cajamarca está em sua maior parte contra a mineração em nascentes, por que um governo nacionalista, com uma relativamente importante presença de esquerdistas em suas filas, se aliou incondicionalmente às empresas mineradoras?

O motivo é claro: o ‘modelo Lula’ de governar se estabeleceu no imaginário político da região: os ricos se fazem mais ricos e os pobres recebem bolsas, Rafael Correa ou Humala não tem vergonha de reconhecê-lo. O governo Humala se elegeu prometendo muitos programas sociais e, para cumpri-los, acreditou ser necessário um pacto com as empresas mineradoras: estas pagariam mais impostos a cambio de receberem apoio governamental para seus projetos impopulares.

E, ao parecer, não há um plano B. A política linha-dura em Cajamarca parece ser um aviso do que virá nos próximos cinco anos. Mas há indícios de que os movimentos sociais não vão renunciar tão facilmente aos avanços que conseguiram nos últimos anos. O cenário pode ser, então, o de um aumento progressivo da violência por parte do governo e das empresas. A criação de exércitos paramilitares, formado por contingentes de ex-terroristas e traficantes, e uma escalada da violência semelhante à que se vive em México é uma terrível, porém factível, possibilidade.

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